O Desaparecimento de Pessoas no Brasil e o Papel Estruturante do Jornalismo Investigativo

Mais de 80 mil pessoas desaparecem todos os anos no Brasil. Por trás dos números, há famílias, histórias e silêncios. O jornalismo investigativo é a voz que transforma o esquecimento em luta e a ausência em resistência. ✊

Por João Carlos Berka

9 out 2025

O desaparecimento de pessoas é uma chaga social que atinge milhares de famílias brasileiras a cada ano, com impactos devastadores no tecido social e institucional do país. Trata-se de um fenômeno que combina vulnerabilidades históricas, ineficiência do aparato estatal e uma profunda carência de políticas públicas eficazes, articuladas e contínuas. Embora esteja presente no cotidiano das cidades e nos noticiários esporádicos, o desaparecimento de pessoas permanece envolto em silêncios, desatenções e omissões que exigem enfrentamento imediato e estruturado.

Mais de 80 mil pessoas desaparecem por ano no Brasil, entretanto, apenas 54,6% são localizadas. Esse número, por si só, já é alarmante, mas oculta uma realidade ainda mais complexa: subnotificações, duplicidade ou ausência de registros e discrepâncias entre bases de dados estaduais e federais. A comunicação entre sistemas como o Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública) e os cadastros locais de desaparecidos é frágil, quando não inexistente. Em muitos estados, sequer há delegacias especializadas ou protocolos definidos para registro e busca de desaparecidos.

Essa ausência de padronização e de integração entre os entes federativos compromete profundamente a eficácia de qualquer política pública nacional. Municípios, estados e União, sujeitos às constantes alternâncias de gestão e influência político-partidária, raramente asseguram continuidade nas ações voltadas à prevenção, busca e acolhimento de pessoas desaparecidas e seus familiares. O desaparecimento, por sua natureza, exige resposta rápida, integrada e contínua: características incompatíveis com a fragmentação atual dos sistemas de segurança e assistência social.

Além das fragilidades estruturais, o desaparecimento de pessoas muitas vezes está vinculado a dinâmicas criminosas mais amplas, como o tráfico de pessoas, a exploração sexual, o trabalho escravo, o tráfico de órgãos e os feminicídios ocultos. A negligência com que o tema é tratado contribui para a perpetuação da impunidade e para o fortalecimento de redes criminosas que se aproveitam da invisibilidade das vítimas.

Um dos casos mais emblemáticos da impunidade associada ao desaparecimento é o de Ana Lídia Braga, ocorrido em Brasília, nos anos 1970. A menina, sequestrada na porta do colégio, foi encontrada brutalmente assassinada poucas horas depois. O crime, apesar de suas evidências e da identificação de suspeitos, jamais foi completamente esclarecido. À época, envolvimentos com filhos de autoridades e a intervenção de interesses políticos comprometeram as investigações e impediram a responsabilização dos autores. Este caso permanece como símbolo da omissão institucional e da interferência do poder político em processos que deveriam estar fundamentados no controle da justiça.

Diante dessa realidade, impõe-se a necessidade de transformação do desaparecimento de pessoas em causa nacional. Isso significa inseri-lo na agenda pública como tema prioritário, mobilizar a sociedade civil, sensibilizar o setor privado, envolver o poder público em ações coordenadas de atuação conjunta e, acima de tudo, reconhecer que o desaparecimento representa a violação de múltiplos direitos: à identidade, à liberdade, à convivência familiar e à dignidade. Além da brutalidade extremada que permeia o contexto da criminalidade violenta nos casos do desaparecimento forçado.

Nesse contexto, o jornalismo investigativo assume papel estratégico. Trata-se de um campo do jornalismo vocacionado à busca da verdade, à revelação do que está oculto e à responsabilização de agentes e estruturas que operam à margem da legalidade. O jornalismo investigativo, ao investigar casos de desaparecimentos, especialmente aqueles ignorados pelo poder público, contribui para a visibilidade de vítimas e familiares, denuncia a omissão do Estado e ilumina as conexões com redes criminosas, corrupção, tráfico de pessoas e outras violações.

O jornalismo, quando comprometido com a verdade e com o interesse público, pode ser um aliado poderoso na construção de um país mais justo e solidário. Sua atuação no campo dos desaparecidos permite não apenas denunciar e informar, mas também provocar o debate, pressionar por mudanças e acompanhar a execução de políticas públicas. Cabe destacar que essa função social da imprensa está fundamentada na Constituição Federal de 1988, que assegura a liberdade de imprensa como instrumento de controle democrático e promoção dos direitos humanos.

A causa das pessoas desaparecidas não pode continuar a ser negligenciada ou tratada como responsabilidade exclusiva das famílias atingidas. É uma questão nacional, humanitária e civilizatória. O Brasil precisa assumir, com coragem e compromisso, o desafio de criar um sistema nacional integrado, com políticas públicas permanentes, padronização de dados, delegacias especializadas, centros de apoio psicossocial às famílias e mecanismos de cooperação com organismos internacionais.

Por fim, é essencial compreender que a busca por desaparecidos não é apenas uma resposta às ausências, mas um ato de resistência do coletivo à indiferença com o sofrimento do seu semelhante. Ao trazer à tona o invisível, o jornalismo investigativo torna-se um pilar na construção de uma sociedade que não abandona os seus, uma sociedade que se recusa a permitir que vidas desapareçam na névoa do esquecimento.

Este texto foi escrito por:

“Voluntários reunidos na Comunidade K-Base para ações de prevenção e busca.”

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