Em 2 de março de 1998, aos 10 anos, Natascha Kampusch insistiu em ir a pé para a escola, em Viena, como prova de independência. No caminho por ruas residenciais, percebeu um homem parado junto a uma van branca; o “alarme interno” soou, mas tudo aconteceu num instante: ele a agarrou, empurrou para dentro do veículo e fugiu.
O raptor era Wolfgang Priklopil, então com 36 anos, que a levou para Strasshof, a menos de 20 km de sua casa, e a trancou num porão sem janelas e à prova de som, escondido sob a garagem, atrás de uma porta de aço e concreto. Começava um cativeiro que duraria 3.096 dias (pouco mais de oito anos).

A busca foi massiva: centenas de policiais vasculharam Viena com cães e helicópteros; um relato sobre uma van branca levou a inspeções em quase 800 veículos, inclusive o de Priklopil, que convenceu a polícia de que estava em casa no momento do desaparecimento.
Rumores atingiram a família e até a mãe, Brigitta Sirny, foi alvo de suspeitas. Natascha, enquanto isso, esperava que a porta se abrisse “a qualquer hora”, mas só via o sequestrador.
Nos seis primeiros meses, não saiu do porão; depois, tinha saídas controladas durante o dia e voltava a ser trancada à noite ou quando ele ia trabalhar. Em alguns períodos, chegou a ser vista no jardim e a sair por algumas horas, mas sempre sob rígido controle.
O cotidiano, descreveu mais tarde, era uma rotina de pequenas tarefas (café da manhã, arrumar a casa, ler, ver TV, cozinhar), permeada pelo medo da solidão. Havia também a face sombria: violência, proibições de comida e luz, e insultos proferidos por um interfone.
Especialistas lembram que sequestros variam por motivação (oportunidade, financeira, política, violência doméstica, sexual), mas dinâmica de poder e controle está no centro. A reintegração, quando a vítima volta, costuma ser longa e difícil: quem perde anos em cativeiro encontra um mundo que seguiu sem ela; explicar lacunas de escolaridade e trabalho é mais um obstáculo.
A fuga de Natascha ocorreu em 23 de agosto de 2006. Priklopil ordenou que ela limpasse a mesma van do sequestro. Enquanto falava ao celular, distraiu-se e se afastou alguns metros. Pela primeira vez, Natascha ficou sem vigilância direta do lado de fora. Ela largou o aspirador, correu até o portão do jardim, que estava aberto e pediu ajuda.
Identificada por passaporte, cicatriz e depois por DNA, foi resgatada aos 18 anos. Priklopil tirou a própria vida antes de ser preso.

Nos anos seguintes, Natascha escreveu livros, apresentou um talk show e transformou sua história em voz pública. Seu relato virou o livro “3.096 Dias” (2011) e um filme (2013). Para “recuperar a narrativa” e evitar vandalismo, ela assumiu a posse da casa de Strasshof; o porão foi aterrado. Outros casos de longa duração, como Elizabeth Smart nos EUA e vítimas mantidas por décadas em porões, reforçam a importância de equipes multidisciplinares para apoiar sobreviventes na reconstrução da vida.
Font ABC